Coimbra tem mais encanto na hora de despedida

por Jaclyn Bucar

Ó Coimbra do Mondego
E dos amores que eu lá tive
Quem te não viu anda cego
Quem te não amar não vive…

– Jose Afonso, “Saudades de Coimbra”

Fotos: Jaclyn Bucar

 

 

Coimbra é uma cidade de história, de cultura e, enfim, de estudantes ! Para mim – uma canadiana, nascida e crescida em Toronto – a própria história da cidade e as tradições numerosas que persistem lá são muito impressionantes. Este verão eu tive a sorte de poder viajar a Portugal e viver no microcosmo da vida estudantil em Coimbra por 7 semanas. Fiquei encantada com a cidade, tanto com os aspetos históricos e culturais como com a cordialidade das pessoas e a variedade de estudantes estrangeiros.

A história de Coimbra é longa e bastante importante no contexto da história do país em geral. Não vou contá-la aqui. Basta dizer que o lugar foi a cidade central para os romanos que ocuparam a região, para os mouros que a conquistaram, para os primeiros reis portucalenses (o nome original do reino de Portugal) e para muitos reinos posteriores. Também é há quase cinco séculos a sede da universidade mais velha de Portugal, e uma das mais velhas da Europa. Um local importante é o antigo palácio real, que se tornou edifício principal da universidade em 1537 e é agora a Faculdade de Direito. Entretanto, toda a cidade tem marcas históricas – tanto marcas medievais, como a Sé Velha e o palácio, como marcas mais modernas, como a arquitetura moderna da universidade que evidencia detalhes do salazarismo. As janelas numerosas e os duros prédios quadrados dão a sensação de se ser vigilado e de não termos onde nos esconder.

Foto: Jaclyn Bucar

Ao chegar a Coimbra, o estrangeiro norte-americano entra num ambiente do “Velho Mundo.” As imagens da sua imaginação tornam-se realidade. O andar sobre as pedras arredondadas, caminhar pelas ruas estreitas e sinuosas que sobem e descem, vagar entre edifícios que já duraram séculos…as viagens pela cidade fazem-no reparar que a história se pode sentir. Sente-se nas ruas, sente-se nas casas, sente-se nas salas de aula. Sente-se no ar ! Quantas tardes passei vagando pela cidade, imaginando as mudanças através das épocas? Quantas vezes estive eu sentada nas escadas da Faculdade de Letras durante a pausa de uma aula qualquer, perguntando-me quantos estudantes já se tinham sentado onde eu me sentava, quantos já tinham percorrido a cidade para chegar às aulas? Como foi este lugar há dois séculos, ou há três, ou há quase nove quando o povo se reunia aqui na corte do primeiro monarca…? Passando à contemplação de uma época moderna, como era a vida deste povo sob o controle de um ditador omnipotente? Quanto sofreram estas pessoas, quanto arriscaram para conseguir a sua liberdade? Se ouve tanto falar do 25 de abril, tanto por parte das gerações jovens como por parte das gerações que viveram nessa realidade. Pessoas de todas idades identificam-se com a luta do povo português contra a ditadura do Salazar. A revolução existe, de muitas maneiras, como uma parte integral da identidade portuguesa – uma destas, o valor da liberdade e a importância de reconhecer o teu direito a exercê-la. Encontrei ali em Coimbra uma vibração colectiva das pessoas, uma perspetiva distinta da vida que foi tanto um sentimento local como um sentimento nacional.

Estas são questões que explicitam as diferenças de realidade que existem entre o nosso mundo e o mundo dos portugueses. Estas questões servem como temas que são representados repetidamente no seio da cultura portuguesa.

Uma grande parte da cultura da cidade está vinculada com a cultura universitária. Os estudantes mantém tradições históricas e modernas, sendo que há muitas que dizem respeito à revolução do 25 de abril.

O Fado de Coimbra é uma manifestação particular da tradicional música portuguesa que evoca a história da cidade e, muitas vezes, a vida estudantil através das épocas. A tradição da Estudantina de Coimbra – o grupo oficial de fado da universidade – ainda sobrevive e mantém uma presença importante na cidade. Há espetáculos organizados todo o ano, tanto em teatros como na rua, e é bastante comum encontrar tunas de jovens dispersas pela cidade com uma guitarra na mão, cantando ainda no seu tempo livre. A Estudantina também continua a tradição da Serenata, na qual os estudantes se congregam no largo da Sé Velha para ouvir o fado e começar a Queima das Fitas, a celebração anual do fim das aulas. É também notável que os fadistas da Estudantina começaram a resistir à ditadura com as suas canções e, com a coragem de se exprimirem livremente nessa altura, iniciaram a inclusão do discurso da revolução na tradição fadista de Coimbra.

Aparte o fado, há várias outras marcas de cultura que se mantêm atuais na cidade. A quantidade de tradições ligadas à universidade e à vida estudantil sustentam a noção de Coimbra como uma “cidade de estudantes.” Naturalmente, há tradições mais antigas e mais modernas. O uso do traje e a capa tradicionais por parte dos estudantes é um exemplo interessante – ver um estudante, ou um grupo deles, a caminhar pelas ruas ao lado da arquitetura antiga às vezes deixa uma breve sensação de estar transportado no tempo. Alguns exemplos mais modernos são o fenómeno das repúblicas, as quais servem como associações e casas comunitárias de estudantes (veja a explicação das repúblicas para mais detalhes) e a praxe – a iniciação dos estudantes novos pela parte dos mais velhos, ou veteranos. A iniciação pode ser bastante traumatizante (eu ouvi falar dos iniciadores perseguindo os iniciados com tesouras, ameaçando cortar-lhe todo o cabelo, entre outros exemplos). Os estudantes estão sempre presentes, e são uma parte integral da população da cidade. Durante o ano escolar, as ruas estão sempre cheias de pessoas. Durante o verão, depois de terminarem os exames, a cidade fica bastante vazia, já que a maioria dos estudantes voltam para casa – mas alguns sempre persistem. Ficam por mais tempo, ou voltam cedo. Ou simplesmente ficam por todo o verão. De qualquer forma, os estudantes nos terraços, na universidade e nas ruas em geral nunca desaparecem por completo.

Para acabar com esta olhadela sobre Coimbra, eu queria destacar a diversidade da demografia dos estudantes. Embora o sentimento do povo local seja muito tangível na cidade, é preciso comentar o intercâmbio cultural que sempre existe por causa dos estudantes estrangeiros de todas raízes.

No curso de verão, durante as férias, os estudantes vieram de todas partes do mundo. Tivemos pelo menos um aluno de vários países, incluindo o Canadá, os Estados Unidos, o México, Porto Rico, Espanha, França, Itália, Inglaterra, Japão, Coreia, Alemanha, Holanda, Grécia, Rússia, Suécia, as Filipinas, Guatemala, a China, Macau, Taiwan e Síria…entre outros, imagino. Não conheci cada pessoa no programa. Conheci também estudantes de uma variedade de origens que foram estudantes próprios da universidade, estudantes de Erasmus ou estudantes pertencentes a algum outro tipo de intercâmbio.

Testemunhei muitos intercâmbios linguísticos e culturais durante a viagem, tanto nas aulas como nas ruas. Pessoas de todas idades e partes do mundo formavam vínculos, aprendendo de cada um dos outros e ensinando-lhes coisas novas. Eu tive a sorte de poder participar neste fenómeno – a celebração multicultural que, de muitas maneiras, permeou a experiência quotidiana de viver 7 semanas em Coimbra.

Passei o verão num lugar especial, onde a história se cruza com modernidade, a forte tradição da língua e da cultura portuguesas se misturam com outras tradições e podem formar um ambiente de se sentir “estar com o mundo,” como disse uma professora na nossa aula da história de Portugal. O encanto da cidade foi impressionante e único, tanto um encanto da sua própria cultura como do sentimento da diversa e inclusiva comunidade dos estudantes. Aprendi em pouco tempo por que é que Coimbra tem mais encanto na hora da despedida – porque deixa tantas saudades, tanto desejo de voltar!


Jaclyn Bucar é uma aluna de quinto ano da Universidade de Toronto. Especializa em espanhol; também estuda francês, português e literatura em inglês. No seu tempo livre, gosta de ler, de escrever, de ouvir música e de a trocar com os outros. No futuro espera poder viajar, ensinando inglês e melhorando as suas habilidades linguísticas, e admite que os estudos de grado estão a brilhar no horizonte :)