Cervejas, Vargas Llosa e Canudos

Por Elio B. Ramírez ; Traduzido para português por Jaclyn Bucar

Imagen: Horatio M. Lane, Brazilian Bulletin, Vol. 1, p. 29. Mackenzie College, São Paulo, Brazil, 1898.
Imagem: Horatio M. Lane, Brazilian Bulletin, Vol. 1, p. 29. Mackenzie College, São Paulo, Brazil, 1898.

 

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—Vargas Llosa não é o meu tipo de escritor – disse a Dan Skái, um colega e amigo da Universidade, enquanto tomávamos uma cerveja no lendário bar Amnesia.

Dan, um rapaz sereno e abertamente sincero, tirou devagar os seus óculos quadrados e disse-me:

—O tipo politicamente não vale um caracol, mas como escritor é um mágico das letras, irmão. A Varguitas há que vê-lo como escritor, não como político – afirmou.

Após uma breve pausa, Dan perguntou-me se eu já tinha lido algum romance de Vargas. Disse-lhe que não, não tinha; que só tinha lido os seus artígos sobre política, publicados e traduzidos em diferentes jornais de reputação mundial.

—Pronto, ainda não li muito da narrativa vargallosona – respondeu Dan. —Mas recentemente terminei de ler um romance que publicou em 1981. Chama-se La guerra del fin del mundo. O romance é uma verdadeira preciosidade. Se tens tempo, recomendo-to.

Dan falou brevemente do contexto da história. Não me deu nenhum detalhe da trama do romance. Então no dia seguinte, saí cedo da casa rumo à biblioteca Robarts. Minutos antes, tinha localizado o livro no sistema eletrônico: décimo terceiro andar na estante PQ. Assim que o encontrei, desanimei-me porque era um livro grosso de mais de quinhentas páginas. “Nesta altura do semestre, não acho que vou ter tempo para terminá-lo,” pensei. De qualquer jeito, apanhei o livro e comecei a lê-lo. Como é típico do seu estilo de escrita, Vargas Llosa é capaz de te enfeitiçar do início ao fim. Submergido num êxtase febril para saber o que acontece depois no capítulo siguente, o leitor pode passar noites em branco a consumir uma história narrada magistralmente.

Este romance de Vargas Llosa narra a história da guerra de Canudos, um acontecimento bélico muito particular da história do Brasil do fim do século XIX. O seu protagonista – baseado na biografia histórica de Antônio Vicente Mendes Maciel, também conhecido como “Antônio Conselheiro” – empreendeu uma campanha político-religiosa contra a nova república federal. Antônio Conselheiro foi comovido pela desolação e os fenómenos climatológicos que fustigavam o norte do Brasil, onde a abolição da escravidão, o secularismo e a transição do poder político da monarquia para o republicanismo tinham incrementado os níveis de pobreza e violência. Depois de muitos anos de peregrinação através de várias cidades e aldeias afastadas no sertão do noroeste brasileiro, Conselheiro tornou-se no líder político-religioso de uma quantidade grande de mulheres pobres, prostitutas, criminosos negros e ex-escravos perseguidos pela lei, além de mestiços e indígenas de todas idades.

Através da sua mensagem religiosa, Antônio Conselheiro culpava os republicanos pela ausência de Deus nessas terras que se manifestava através da seca, a fome e a morte. A destituição da monarquia portuguesa do poder político no Brasil marcara o abandono total da providência divina. No seu discurso, o padre Conselheiro convidava os seus seguidores a formar uma nova sociedade onde todos seriam tratados com igualdade, fraternidade e respeito, seguindo as leis do Bom Jesus.

Ante a ameaça que representava esta utópica sociedade religiosa, os republicanos empreenderam uma série de campanhas militares para parar o poder político do padre e do povo de Canudos.

A história deste conflito armado é profundamente analizada pelo historiador brasileiro marxista Edmundo Moniz no seu livro A Guerra social de Canudos. Moniz avalia cronológicamente os acontecimentos históricos e os fatores socio-políticos que desencadearam um dos capítulos épicos da história do Brasil moderno.

Seguindo de perto a sucessão dos acontecimentos históricos desta guerra, Vargas Llosa revive um dos capítulos históricos menos comentados no Brasil. La guerra del fin del mundo não só é uma viagem ao  passado da história do Brasil – é um romance que explora, de um outro ângulo, a eterna batalha entre ricos e pobres na América latina.

 


Elio B. Ramírez está no seu quarto ano na Universidade de Toronto. Obterá a sua licenciatura em estudos latino-americanos, em antropologia e em estudos transnacionais de diáspora. Elio gosta de praticar capoeira, de escrever, de ler, de desenhar e de pintar. Aspira continuar com estudos de pós-graduação. Os seus interesses académicos são educação, a narrativa latino-americana e a administração de emergências e desastres.


Jaclyn Bucar é uma aluna de quinto ano da Universidade de Toronto. Especialista em espanhol, também estuda francês, português e literatura em inglês. No seu tempo livre, gosta de ler, de escrever, de ouvir música e de a trocar com os outros. No futuro espera poder viajar, ensinando inglês e melhorando as suas capacidades linguísticas, e admite que os estudos de pós-graduação estão a brilhar no horizonte :)